PARÁBOLA - RUBEM ALVES
Era uma vez uma menina que tinha como seu melhor amigo, um Pássaro
Encantado. Ele era encantado por duas razões:
Primeiro porque ele não vivia em gaiolas. Vivia solto. Vinha quando
queria. Vinha porque amava.
Segundo, porque sempre que voltava suas penas tinham cores diferentes,
as cores dos lugares por onde tinha voado.
Certa vez voltou com penas imaculadamente brancas, e ele contou estórias
de montanhas cobertas de neve. Outra vez suas penas estavam vermelhas, e ele
contou estórias de desertos incendiados pelo sol. Era grande a felicidade
quando estavam juntos. Mas sempre chegava o momento quando o pássaro dizia:
Tenho de partir."
A menina chorava e implorava: "Por favor, não vá, fico tão triste.
Terei saudades e vou chorar..."
"Eu também terei saudades", dizia o pássaro. "Eu também
vou chorar. Mas vou lhe contar um segredo: eu só sou encantado por causa da
saudade que faz com que as minhas penas fiquem bonitas. Se eu não for não
haverá saudade. E eu deixarei de ser o Pássaro Encantado e você deixará de me
amar."
E partia. A menina, sozinha, chorava. E foi numa noite de saudade que
ela teve a idéia: "Se o Passaro não puder partir, ele ficará. Se ele
ficar, seremos felizes para sempre. E para ele não partir basta que eu o prenda
numa gaiola."
Assim aconteceu. A menina comprou uma gaiola de prata, a mais linda.
Quando o pássaro voltou eles se abraçaram, ele contou estórias e adormeceu.
A menina, aproveitando-se do seu sono, engaiolou-o. Quando o pássaro
acordou ele deu um grito de dor.
"Ah! Menina...que é isso que você fez? Quebrou-se o encanto. Minhas
penas ficarão feias e eu me esquecerei das estórias. Sem a saudade o amor irá
embora..."
A menina não acreditou. Pensou que ele acabaria por se acostumar.
Mas não foi isso que aconteceu. Caíram suas plumas e o penacho. Os
vermelhos, os verdes e os azuis das penas transformaram-se num cinzento triste.
E veio o silêncio: deixou de cantar. Também a menina se entristeceu.
Não era aquele o pássaro que ela amava. E de noite chorava pensando
naquilo que havia feito com seu amigo...
Até que não mais agüentou. Abriu a porta da gaiola. "Pode ir,
Pássaro", ela disse." Volte quando você quiser..."
"Obrigado,
menina", disse o Pássaro."Irei e voltarei quando ficar encantado de
novo. E você sabe: ficarei encantado de novo quando a saudade voltar dentro de
mim e dentro de você"!